Das competições universitárias ao reconhecimento internacional

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Rafael Coelho posa ao lado da embarcação protótipo C-Enduro/Duca. Créditos: Rafael Coelho/Arquivo Pessoal.

por Antônio Arapiraca, Matheus Ruas, Júnia Teixeira e Matheus de Almeida/Agência Pixel Ilustrações por Mariana Oliveira Em 2008, o Engenheiro Naval Rafael Coelho participou de uma competição universitária que mudaria a sua vida. Foi membro da primeira equipe brasileira que disputou um rally de barcos movidos a energia solar na Holanda, na Frisian Solar Challenge.  A equipe, vinculada ao Polo Náutico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), única equipe não européia naquela edição, competiu com o barco Copacabana, o qual era pilotado por Rafael, e ficou em quarto lugar na categoria que disputou. De volta ao Brasil, no ano de 2009, liderados pelo chefe da equipe à época, o saudoso professor Fernando Amorim, o time conseguiu recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e de diversas outras empresas e entidades, para realizarem a primeira edição do Desafio Solar Brasil, competição de barcos solares brasileira, que desde então reune equipes de diversas universidades e escolas de educação técnica e tecnólogica. Com a experiência acumulada nestas competições e após concluir o mestrado em Engenharia Naval também pela UFRJ, Coelho encontrou motivação para buscar novos desafios e se mudou para o Reino unido para tentar a sorte no mercado de energias renováveis daquele país. Foi bem sucedido e teve seu trabalho reconhecido quando conseguiu vencer um edital de uma agência de fomento inglesa para desenvolver um barco protótipo que havia projetado. Na entrevista abaixo ele relatou como tem sido o projeto e como a participação em competições universitárias de educação tecnológica foram fundamentais para o seu crescimento e amadurecimento profissional. Como surgiu a idéia do C-Enduro e qual é o principal objetivo do projeto?  Rafael Coelho: A idéia de fazer um veículo autonomo de superfície, capaz de realizar missões de longa duração, surgiu do dialogo com pesquisadores de oceonografia. Atualmente a comunidade científica utiliza, com bastante frequência, veículos autônomos submersos (AUVs) para coleta de dados dos oceanos, estes veículos contam com a variação do empuxo para “planar” pelos oceanos. Apesar de serem excelentes ferramentas de pesquisas, existe uma grande limitação na rota e velocidade dos AUVs. Foi da necessidade de se obter uma ferramenta que pudesse coletar dados oceanográficos a partir da superfície que surgiu a idéia do C-Enduro. O centro Inglês de Oceanografia (National Oceanography Center do Reino Unido http://noc.ac.uk/), em parceria com o a agência inglesa de fomento em inovação tecnológica (TSB https://www.innovateuk.org/), lançou um edital em 2013 para o desenvolvimento de um veículo autônomo de superfície, ASV, que tivesse a capacidade de realizar missões continuamente por até 3 meses a uma velocidade de aproximadamente 4 nós. O edital também tinha algumas exigências quanto ao tamanho, capacidade de carga e níveis de autonomia, mas no geral foi um edital bem livre que permitiu a criação um veículo inovador.

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Embarcação em fase de testes navegando controlada remotamente. Créditos: Rafael Coelho/Arquivo Pessoal.

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Ilustração da embarcação. Créditos: Mariana Oliveira.

Qual foi o maior desafio deste projeto? Rafael Coelho: O grande desafio sempre foi ter energia suficiente para se deslocar na superficie, alimentar os sensores e se comunicar com terra. Carregar toda a energia em combustíveis fósseis resultaria em uma embarcação de proporções bem maiores, elevando também o custo. Ficou claro logo no início do projeto que a solução seria captar parte da energia disponível no ambiente. Acabamos por utilizar módulos fotovoltáicos e um gerador eólico para esta finalidade. O veículo também dispõe de um micro gerador diesel para backup em dias onde as condições climáticas não são favoráveis ou o perfil da missão exige um pouco mais de potência. Porque o barco se chama DUCA? Rafael Coelho: O nome do primeiro C-Enduro foi uma homenagem ao Prof. Fernando Amorim, morto em 2012 e que coordenava o Polo Náutico da UFRJ. Fernandão, como era conhecido,  trazia da juventude o apelido de Duca e reza a lenda que ele fazia bastante uso desta expressão quando se deparava com algo bacana.

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No detalhe, o nome da embarcação em homenagem ao professor Fernando Amorim. Créditos: Rafael Coelho/Arquivo Pessoal.

Você tem idéia de quantos litros de diesel, para um veículo deste porte, podem ser economizados com o uso da energia solar convertida? Rafael Coelho: Depende muito do perfil da missão, localização no planeta e época do ano. Operando no Brasil de janeiro a abril a uma velocidade de aproximadamente 4 nós, o veículo praticamente não gastará diesel. Por outro lado uma missão no norte da Escócia no inverno será preciso completar o balanço energético com alguns litros de diesel por dia. Operamos por uma semana nestas condições e a média diária do consumo de diesel foi de 4 litros. Essa opção solar diminuiu o peso e o volume do veículo? Rafael Coelho: Certamente. Um veículo que utilizasse apenas combustiveis fósseis teria dimensões e massa muito maiores. Quantos pesquisadores estão envolvidos no projeto do C-ENDURO? Rafael Coelho: O projeto do C-Enduro envolveu um engenheiro naval, um engenheiro de software, um engenheiro elétrico, dois técnicos de construção naval e um eletricista. Tivemos algum suporte de outros membros da empresa mas a equipe básica foi esta. Os recursos eram limitados e escolhemos uma solução inovadora e desafiante que nos custou muitas horas extras de trabalho.

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Ilustração da embarcação. Créditos: Mariana Oliveira.

Em 2008 você participou da primeira equipe brasileira que disputou um rally de barcos movidos a energia solar na Holanda. Qual foi a importância da participação neste tipo de competição para a sua formação? Rafael Coelho: Sem dúvida. A Frisian 2008 foi um marco. Eramos a única equipe não européia a participar da competição e acabamos entre os 5 primeiros. O principal da Frisian foi provar para nós mesmos que a engenharia que fazíamos no Brasil era tão boa ou melhor que a Européia. A competição de 2008 foi importante, mas foi apenas mais um desafio que o Fernandão acabou colocando na nossa frente como parte da formação de engenharia, antes desta competição passei muitos dias projetando e construindo barcos no Pólo Náutico, fosse para uma disciplina especial ou para lançar uma nova embarcação em projetos como o UFRJMar.

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Barco Copacabana em 2008. Créditos: Equipe Copacabana/Divulgação.

Você foi também um dos idealizadores do Desafio Solar Brasil, competição de barcos movidos a energia solar que iniciou no país em 2009. Fazendo um retrospecto destes primeiros cinco anos da competição, você consegue identificar algum tipo de inovação produzida no país desde então? Rafael Coelho: Sim. Há mais pesquisadores interessados no assunto, já existem algumas embarcações solares em operação no país e a industria brasileira já está produzindo equipamentos para a área. Acho que está havendo inovação mas o progresso é lento. É uma nova tecnologia que pode ser facilmente dominada pelo Brasil, mas é preciso agilidade na inovação para não depender de tecnologias estrangeiras no futuro. É muito bacana ver que o Desafio Solar Brasil cresceu. Estive na Holanda este ano para acompanhar o rally de barcos solares e acho que o estudante/pesquisador brasileiro não precisa sair do Brasil para participar de uma competição de alto nível, o Desafio Solar Brasil permite pleno desenvolvimento de tecnologia, além de permitir maior troca de experiência entre universidades.

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Rafael Coelho pilotando o barco Copacabana durante a Frisian Solar Challenge 2008 na Holanda. Créditos: Equipe Copacabana.

Você avalia que no Brasil as pesquisas e o desenvolvimento de tecnologias relacionadas à criação de energias renováveis tem tido menor relevância para o governo do que em alguns outros países? Rafael Coelho: A matriz energética Brasileira é altamente dependende das hidrelétricas, que são fontes renováveis. Pelo que tenho acompanhado, o Brasil abriu licitação para parques eólicos enormes o que considero um grande avanço, não só pela diversificação da matriz energética, mas pela ampliação da cadeia de produção de equipamentos para este setor. Pessoalmente sou a favor de mais investimento em energia nuclear. Acho que o país teria um melhor equilibrio entre impacto ambiental e geração energética se investisse mais em energia nuclear e reduzisse a geração a partir de etanol e carvão, que apesar de renováveis causam grande impacto no meio ambiente. Assim como você muitos pesquisadores brasileiros saem do país para realizar pesquisas. Você consegue perceber alguma possível mudança neste panorama da produção cientifica brasileira? Rafael Coelho: É dificil dizer. Por um lado o governo federal está se esforçando para criar um ambiente favorável à pesquisa e inovação, por outro os centros de pesquisas são, em sua vasta maioria, comandados por ultra conservadores.

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